Esconderijo
Dá muito
trabalho manter as aparências e agir naturalmente. A coisa não é bem assim como
você pensa, nem tudo passou, nem tudo é leve e tranquilo. Tem muita reviravolta
no peito, mágoa quebrada no estômago, azedume que não passa e queima a
garganta. Tem muita dor guardada no infinito, tem muito a remendar, tem a
lamentação pelo não dito. Lembro o gosto de cada lágrima que chorei,
assim como lembro da dor de cabeça de cada ressaca que tive por ter bebido
demais pra tirar você do pensamento. Não sei porque a gente tenta beber para
esquecer. Beber na fossa implica ficar longe do telefone, segurar os dedos para
não enviar nenhuma mensagem de texto, segurar os pés para não sair correndo e
fazer alguma besteira que sempre traz um arrependimento azedo. A gente
tinha quase tudo pra ser feliz. Eu tinha um ideal entre os dedos, um romantismo
que até hoje não me deixou, um punhado de esperança que desse certo e a certeza
de que queria você. Você tinha uma ideia a meu respeito, uma inocência que até
hoje não te deixou, umas atitudes sem cabimento e a certeza de que me queria
enquanto eu fizesse o que você achava certo. Acho que a maioria das
relações não dão certo porque temos a péssima mania de idealizar o outro. Mas
ninguém é príncipe ou princesa, ninguém está aqui atuando em um filme bobo de
amor. O dia a dia não tem tanto encanto nem mágica nem sonho nem beijos
cinematográficos. O dia a dia é realidade, é defeito, é incerteza. E eu queria
fazer tudo para agradar você, tudo, tudo, tudo. Eu fiz tanto que até esqueci de
mim, me perdi no meio de tanto querer, derrapei feio, me quebrei inteira e no
fim das contas pensei peraí-quem-sou-eu? A gente teima em não dar o braço a
torcer, tenta virar a mesa, implora pra não sofrer. Não adianta, a culpa
atormenta o peito, sacode as janelas, invade a sala, o quarto, os buracos e
frestas. A gente se contorce por dentro, tenta acalmar o pensamento, vira para
lá e para cá, tenta achar o que já foi perdido faz tempo. Minha vida ficou nublada sem você e sem nós. Mas
será que existiu um nós realmente ou foi tudo coisa da minha cabeça? O nós
existe quando os dois fazem questão que ele exista. E sobreviva. E se sustente
com o passar dos dias. Mas nada disso aconteceu, seu ego é maior, seu orgulho é
maior, seu egoísmo te engole e te mastiga lentamente. E eu perdi o
amor-próprio, o juízo, a vergonha na cara e te pedi tantas vezes
por-favor-fica-comigo e você nem sequer me olhou nos olhos, você nem teve a
capacidade de conversar me encarando, com decência, com honestidade, com
carinho. E isso me doeu por tantos dias, tantos meses. Essas coisas todas me
corroeram por dentro feito ácido que destrói. E fiquei completamente perdida,
rasgada por dentro. E demorei pra me reconstruir e ajeitar de novo todas as
coisas na minha vida e na minha história. E ainda penso em você. Não com
saudade nem com vontade. Mas como uma coisa que me machucou demais. Porque as
feridas demoram muito pra sarar. E a gente mente tanto dizendo que tá
tudo bem, que tá tudo em paz, que passou que não dói mais, que já virou
lembrança distante. No fundo ainda dói de uma forma bagunçada, revirada,
transtornada. Mas isso ninguém vai saber.
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